PAPÁ JAIME
Um engenheiro de grande coração, desce aos esgotos de Bogotá, na Colômbia, para salvar meninos de rua e surge como um herói de nossos dias, indicado para o Prêmio Nobel da Paz.
No Natal de 1973, eu estava caminhando pelas ruas de Bogotá, em meu amado país, Colômbia. Após ter terminado dois mestrados em inspeção e exploração em geofísica, o primeiro na Áustria e depois na Alemanha, retornei à Colômbia e comecei a trabalhar na indústria de petróleo como físico e engenheiro de petróleo.
Naquele dia, enquanto eu caminhava, uma caixa de brinquedos da marca Fisher Price, decorada com o desenho de uma boneca subitamente caiu na rua, de um carro que passava. Um grupo de meninos de rua viu e imediatamente correram para a rua. Uma garotinha chegou primeiro e com um olhar triunfante levantou a caixa acima de sua cabeça. Os olhos dela encontraram os meus e a expressão de seu rosto dizia claramente “Veja o que eu encontrei!” Feliz e radiante ela continuou a olhar para mim, diretamente, sorrindo, e eu sorri de volta – e nenhum de nós estava ciente de um caminhão enorme que estava indo na direção dela em altíssima velocidade. O motorista afundou o pé no freio, mas era muito tarde: o lado direito da carroceria esmagou a garotinha no asfalto. Abalado de tristeza eu caminhei para esta cena dolorosa. Perto do corpo morto dela estava a caixa. Vazia.
Aquela caixa de brinquedos Fisher Price vazia foi um sinal divino para mim. Naquele momento eu comecei a entender minha missão neste mundo.
Com toda a dor, ressentimento e raiva que eu sentia, entrei num Shopping Center e comprei uma fantasia de Papai Noel. Depois, com um saco cheio de cem presentes baratos nas costas, saí pelas ruas, como São Nicolau distribuindo presentes para as crianças de rua. Eu descobri que cada uma delas vivia na mais triste condição, cercada por extrema pobreza, e como se isto não fosse suficiente muitas delas tinham horríveis defeitos físicos que as afundava mais em seu estado miserável.
Olhando para mim um garotinho correu e disse “Ei, você é Papai Noel?”
Eu disse, “Sou”.
“Espera um minuto”, ele disse e assobiou alto. Subitamente, não sei de onde, apareceram mais crianças do que eu tinha em presentes. O garotinho me agarrou e pulou nas minhas costas de tão feliz! Então eu notei que a manga da minha fantasia tinha uma marca amarela. E senti um cheiro ruim.
Coloquei o garoto no chão e olhei para ele. Minha barba tinha arranhado o rosto dele e minha manga tinha tocado um furo cheio de pus onde um rato tinha mordido o rosto dele, tão fundo que chegou a danificar o osso. Eu o levei ao médico e mantive contato com ele, dando-lhe atenção, amor e apoio. E eu soube que isto não era um caso isolado.
Muitas destas crianças estavam queimadas, aleijadas ou feridas de alguma outra forma. Então eu voltei muitas vezes para levar mais e mais crianças a hospitais para tratamento médico, com a ideia de possivelmente convertê-las em pessoas autossuficientes. Também comecei a comprar e distribuir coisas para as crianças: caixas de engraxates, material para lavar carros, bicicletas usadas … Assim, nasceu no Natal de 1973 a Fundação das Crianças dos Andes, uma entidade que ainda ajudo que resgata, cuida e reabilita crianças de rua.
Após algum tempo, muitos deles iriam trabalhar na indústria de petróleo. Sendo aí meu campo de atividade profissional, era relativamente fácil para mim conseguir trabalho para eles em diferentes áreas da exploração de petróleo. Hoje o garotinho que pulou em minhas costas é um engenheiro que já ajudou mais de cem crianças de rua tomando-as sob seu próprio cuidado.
Ao longo dos anos, recebi vários sinais do céu – dicas sobre minha verdadeira missão, cada um mais claro que o outro, com os mesmos elementos e caracteres – que, de alguma forma me inspiravam a sonhar e agir.
EU ME TORNEI UM MENINO TRAVESSO, DIFÍCIL E CURIOSO – UM VERDADEIRO REBELDE QUANTO À INJUSTIÇAS
Venho de uma família católica afluente, de Manizales, na Colômbia e cresci como centro das atenções em uma casa plena de afeto. O mais velho de três garotos, nasci de um jovem casal, casados na década de 50. Meus pais demonstravam sua caridade e seu amor de muitos modos, especialmente ajudando as pessoas em sua fazenda e em sua loja de ferramentas chamada Armazém O Pintor. Meus avós, também davam-se aos outros, com amor e generosidade. Em minha família mais ampla, quatro mulheres tornaram-se freiras. Éramos uma família cercada pela fé,e eu sempre acreditei em Deus, mesmo quando pequenino. Embora eu não gostasse de ser forçado a ir à Missa todos os dias e a rezar o Santo Terço, que na época me parecia interminável, eu aprendi a rezar e cheguei a acreditar que se você não tem fé, está morto. A fé que Deus me deu não foi a fé de São Tomé que disse “Se eu não ver ou tocar suas chagas não acreditarei”. Eu sempre acreditei primeiro e depois via.
Eu me tornei uma criança travessa, difícil e curiosa – um verdadeiro rebelde contra a injustiça – porque eu não conseguia entender as crenças que separavam os seres humanos tais como dinheiro, poder, prestígio, ou a reputação que possuíam. Na Colômbia, as pessoas incidem em classes distintas, desde o pobre miserável até os muito ricos. Eu tinha amigos de várias classes diferentes, e não fazia sentido para mim que eu não pudesse levar meus amigos para o clube de campo. De modo especial eu não conseguia entender porque os que tinham menos sorte que eu tinham que sofrer tanto. Ao lutar contra o sistema eu era diferente, rompia as regras e era punido por isto.
Uma vez, quando eu tinha quase sete anos, perguntei-me seriamente porque eu mesmo sentia que era muito desobediente. Eu parecia ser tão diferente das outras crianças! Meus professores tentavam, de todos os modos, tornar-me igual aos outros. Eu frequentava uma escola dirigida por freiras espanholas muito rígidas e todas as manhãs o ônibus da escola me pegava em casa. Também deveria me levar de volta à casa à tarde mas normalmente eu tinha que ficar depois da escola, de castigo. Eu nunca entendi porque meus pais pagavam pelo transporte à tarde já que eu nunca estava naquele ônibus.
As freiras me submetiam a uma miríade de castigos por motivos diferentes: por ser irrequieto, por fazer barulho demais, por ser desobediente, por não manter meus cadernos conforme devia, por ser indisciplinado, por rir alto, por estar sujo.
Como castigo, elas algumas vezes me faziam correr sem parar no campo de futebol, não somente durante o recesso, mas também depois de todos terem ido embora. As freiras me mantinham depois da aula para aprender a tabuada de multiplicação, não como as outras crianças faziam, do número um ao nove, mas de onze a noventa e nove. Se eu cometesse um erro, eu tinha que ficar pelo menos mais meia hora repetindo.
Elas me mandavam sentar em um bosque de pinheiros sozinho, em silêncio, sem me mover por longo tempo, dependendo da falta da qual eu era acusado, e algumas vezes as freiras me colocavam para trabalhar em bairros pobres com os missionários. Estes eu não reclamava.
Outras vezes elas me colocavam num canto da sala onde eu tinha que me sentar na frente de um cartaz que dizia “Sou burro” ou “Sou um idiota que não sabe nada” enquanto as outras crianças riam de mim. Um dia eu peguei o bobo da cidade e levei à escola, coloquei na sala de aula no canto onde eu ficava. Quando a freira tentou tirar ele de lá, ele ficou furioso e violento. Morta de medo ela me implorou para levá-lo embora. Daquele dia em diante, nunca mais me deram este tipo de castigo.
Mas o pior dos castigos que me davam era por ser canhoto. Elas me chamavam de filho do capeta e que o “Homem do Saco” iria me roubar à noite se eu não começasse a escrever com a mão direita. Para que eu superasse minha canhotice, elas me batiam na não esquerda com uma régua e me faziam escrever milhares de frases no quadro, tais como: “Sou uma criança muito boa, adorável, paciente, calma e de boa vontade”. E enquanto todas as outras crianças iam felizes para casa depois da aula, a madre superiora de vez em quando me levava para o pátio e me forçava a ficar de pé na frente de um cão enorme chamado Leal, que as freiras mantinham preso por uma corrente. Até hoje eu me lembro do latido do Leal, vejo seus olhos fixos e suas patas ameaçadoras. Eu ficava tantas vezes de castigo na frente do cachorro que comecei a levar comida para ele. No final, ficamos amigos.
Uma tarde, enquanto eu estava assistindo as crianças brincando, do cantinho do pátio, eu decidi soltar o cachorro. Soltei a corrente e ele correu direto para a freira que mais me castigava, mordeu o traseiro dela e depois saiu correndo atrás de outra freira que correu como louca. Ele a pegou, também a mordeu mas eu não sei onde foi. Eu só sei que ela foi levada para o hospital. No meio da confusão, os meus amigos da escola e eu entramos na clausura, que era território proibido para estudantes. Lá achamos uma despensa cheia de frutas, biscoitos, bolos e vinho para a consagração. Saímos de lá com nosso saque e distribuímos entre todas as famílias da vizinhança, que viviam em condições sub-humanas.
O contraste entre a riqueza e o conforto de minha escola e a miséria e desesperança das crianças que viviam a apenas algumas ruas dali atraía minha atenção. Em me lembro da alegria delirante de meus colegas de escola quando viram como aquelas crianças agarravam a comida que lhes demos. Inocentemente, elas perguntaram quando é que voltaríamos. Nós visitamos aquelas meninas e meninos de novo e eles encheram minha infância de amor e felicidade, dando significado à minha vida e à vida de alguns de meus colegas de escola. Deus estava me dando o primeiro sinal do que minha missão neste mundo viria a ser.
APRENDI QUE ERA MAIS FELIZ DANDO QUE RECEBENDO
Mais sinais seguiram-se à medida que meu espírito sentia-se inspirado a navegar a divisão entre os ricos e pobres. Um dia, quando eu tinha oito anos, ao chegar em casa da escola, depois de uma tremenda chuvarada, achei um velhinho com uma criança, na frente de minha casa. O garoto, que parecia ser da minha idade, estava tremendo de fome e frio. Quando ele me viu pediu uma moeda ou algo para comer. Eu disse “Não saia daí, volto daqui a cinco minutos”. Corri para minha casa, subi as escadas, entrei no closet de minha mãe e tirei dois cobertores, algumas toalhas, umas camisas, calças e sapatos que meu pai não usava. Depois fui até meu closet e fiz a mesma coisa. Do armário da cozinha peguei leite, ovos, sopas, tomates e barras de chocolate. Embrulhei tudo nos cobertores e corri de volta, com medo que o velho e o garoto tivessem partido. Mas eles estavam lá me esperando. Aquele momento permanece como sendo um dos mais felizes da minha infância. Meu coração explodia de alegria e eu estava sem fôlego.
Naquela noite eu me sentia ainda muito feliz com o que tinha feito. Mas Estercita, nossa antiga babá, tinha me visto doar o material e contou a meus pais o que tinha acontecido. Eles ficaram com muita raiva porque eu tinha dado tudo aquilo sem permissão, então foi repreendido e punido. Eu não conseguia entender o porquê e perguntei à eles “Se vocês tem tantas roupas e tanta comida que jogam fora, porque não posso dar alguma coisa? Não tem suficiente para nós?” Mas as minhas palavras os deixaram com mais raiva ainda. Então, triste e chorando, enchi minha mochila cinza de cacau, leite em pó, algumas barras de chocolate, meus cadernos, minhas bermudas e suspensórios, uma camisa, um carrinho e uma imagem de Nossa Senhora destas que brilham no escuro. Olhei firme para meus pais e disse à eles num tom de desafio “Vocês são uns ‘hicópritas’ ”. Eu posso ter falado a palavra hipócritas errado mas eu sabia o que significava e sabia que estava sendo rude. Anunciei que estava partindo e sai pela porta da frente profundamente desapontado. Depois de andar em volta do quarteirão várias vezes, decidi ir viver com minha avó.
Quando escureceu, meus pais descobriram para onde eu tinha ido e vieram me pegar. Eles me pediram que voltassem com eles, mas eu não queria voltar em nenhuma circunstância. Enfaticamente lembrei à eles que quando minha mãe visitava asilos ela levava para eles cobertores, roupas e até cigarros, que eu sabia que dava à eles mau hálito e estragavam os dentes. Finalmente minha mãe me abraçou e sorrindo me disse com doçura: “Querido, seu como você se sente, dentro do seu coração generoso. Ele é tão grande que você quer deixar seus pais, que amam você tanto. Mas se você nos deixar para ajudar outros, você será uma luz nas ruas mas na nossa casa ficarão as trevas”. Negociamos um acordo e voltei para casa.
Quando meus pais me castigaram por ter ajudado o velhinho e o garoto, eu sabia que tinha duas opções. Eu poderia obedecer a meu coração, aquela voz interna ou centelha divina, que nunca falha ou eu poderia ouvir meus pais, que, temerosos, tentaram me ensinar uma lição para evitar que eu tomasse minhas próprias decisões sem seu consentimento. Tendo eu escolhido a primeira opção, aprendi que era mais feliz dando que recebendo e que quando eu dava algo sem expectativa de retorno, meu coração podia voar de alegria e estar unido a Deus que está dentro de nosso coração.
Durante minhas férias escolares, minha família e eu íamos para a fazenda de meus pais e o meu maior prazer era cavalgar meu cavalo, junto com meu cachorro, até às plantações de café no topo da montanha. O encarregado vivia lá com seus filhos, uma garota de oito anos como eu e seu irmão mais novo. Eu sempre parava para tomar um copo da deliciosa “água de panela” com limão, (uma bebida quente colombiana feita com cana de açúcar). Numa destas ocasiões, eu vi que a filha do encarregado estava brincando com uma boneca de plástico sem um pé e sem uma mão – um brinquedo horroroso. Isto me chocou tremendamente e mais ainda quando vi seu irmãozinho brindando com um trator de madeira quebrado e sem rodas. Quando cheguei em casa, perguntei a meu pai porque aquelas crianças não tinham brinquedos novos, bons como eu tinha. O pai deles também não trabalhava?
Meu pai me levou para a estufa de café e me disse “Filho, enquanto estamos de férias, encha estas sacolas de terra preta; e com muita paciência, plante uma semente em cada sacola. Vou dar a você um centavo para cada uma que você fizer, e com esse dinheiro você vai conseguir comprar uma boneca e um trator bom para os filhos do encarregado”. Imediatamente eu obedeci. Trabalhei e trabalhei, plantando grãos de café. Também pedi a meus irmãos, meus amigos e parentes para me ajudarem com o trabalho.
Finalmente chegou o grande dia quando meu pai veio ver o que tínhamos feito. Contamos as sacolas, e com o dinheiro que ganhei, fomos comprar uma boneca espetacular e um imenso trator de madeira. No dia seguinte acordei muito cedo e rapidamente cavalguei até a casa do encarregado para dar os presentes às crianças. Eu me sentia incrivelmente feliz quando descia do cavalo. Eu disse à garota “Olhe o que eu trouxe para você. Isto é para você”. A garota me olhou pasma. Então ela olhou para a boneca, sem saber o que pensar e desconfiança e não queria pegar a boneca. Provavelmente ela pensou que eu a estava emprestando e que iria depois pedir de volta. Enquanto isto o irmãozinho dela veio dar uma olhada no trator e perguntou se era para ele. Eu nem tinha terminado quando ele montou e começou a descer colina abaixo. Finalmente a garota pegou a boneca, timidamente e depois sorriu feliz. Eu me senti bem próximo à ela naquele momento e é como me sinto até hoje. Foi então, naquele episódio que eu experimentei, pela primeira vez na minha vida, a presença de Deus amor.
No ano seguinte, durante um dos projetos de missão da minha sala de quarto ano – liderado por Irmão Cardona, – eu descobri que Nestor, o vigia noturno de nossa escola vivia em um cômodo frio, feio, mal cheiroso e miserável. Eu decidi vender meu miniscuí – sal de fruta com açúcar e colorante, embrulhado em cone de papel. Com o dinheiro que eu recebi, planejei construir uma casa para o vigia. Para o meu projeto, meu pai doou tinta e material de construção, da loja de ferramentas que ele possuía. Com sua ajuda, com a ajuda dos meus colegas, assim como o trabalho de um padre humilde e entusiasmado, a quem chamávamos de Buñuelo (sonho de padaria) Gutierrez, conseguimos um lote vago e começamos a construir nos fins de semana. Após vários meses, conseguimos terminar a casa – resultado do amor e do trabalho de uma equipe de crianças que compartilhavam o mesmo sonho. Mais tarde, tornou-se parte de um bairro completo chamado São Luis Gonzaga, com setenta e duas casas.
EU SONHAVA EM RESGATAR TODAS AQUELAS CRIANÇAS
Deus tinha me preparado para o dia, em dezembro de 1973, quando eu iria ver a garotinha sem vida na rua, ao lado de uma caixa vazia de brinquedos. Pouco sabia eu que Deus iria me dar um outro sinal que mudaria minha vida. Dez anos mais tarde, enquanto eu estava dirigindo para a empresa de petróleo onde trabalhava como engenheiro de petróleo, eu me meti em um engarrafamento. “O que está acontecendo?” perguntei. Saí do carro e segui uma multidão de pessoas até uma ponte para ver o que estava acontecendo; de novo, eu achei outra menininha, caída no chão. Lembrei-me da primeira garotinha que perdera a vida na rua, e reconheci que Deus estava me chamando à ação.
Enquanto eu me aproximava da cena, ouvia os espectadores dizendo que um carro tinha passado sobre ela. “Eu vou levar ela para o hospital”, eu disse.
Mas os outros me alertaram, “Não leve. Se você a levar para o hospital e ela morrer, você vai acabar na cadeia”.
“Não quero saber”, respondi e peguei a garota, coloquei-a no meu carro e levei para o posto de saúde pública. Esperei algum tempo. Então, para minha surpresa, depois que ela recebeu o atendimento médico necessário, saiu andando, ao lado do médico. Ele explicou que ela não tinha sido atropelada, mas tinha sofrido um ataque de epilepsia e deve ter batido a cabeça na calçada. Surpreso e felicíssimo em vê-la bem, eu a abracei e perguntei, “ Então querida, me diz onde você mora”? Eu queria devolvê-la ao conforto de sua casa e a seus pais o mais rápido possível.
Timidamente ela me disse, “Eu não tenho pais, e eu vivo no esgoto perto da ponte onde o senhor me achou”. Eu nunca antes tinha ouvido que existiam crianças vivendo nos esgotos da cidade.
“Vamos então”, disse eu escondendo meu pasmo. “Mostre-me onde você vive”.
Vestido de terno e gravata, ambos manchados de sangue, entrei no esgoto atrás dela, e o que eu vivi me lembrou do inferno que Dante descreveu na “Divina Comédia”. A vista era horrorosa. O chão era escorregadio com gosma e o odor de fezes humanas era asfixiante. Entrávamos mais e mais fundo, pouco a pouco, neste cenário tenebroso, escuro, cheio de tristeza e de um frio tremendo. O ar ficava mais e mais denso, com um calor estranho penetrando a atmosfera fétida. Enquanto andávamos, senti os ratos e as baratas correndo de lado para lado, na água gelada que cobria nossos pés.
De repente a escuridão era completa. Neste momento eu pensei em me virar para ela e dizer, “Bem garotinha, agora que eu já vi como é, é o máximo que eu vou.” Mas eu tinha que continuar. Eu não podia dizer não à ela, embora a água congelante e podre já chegasse a meus joelhos e minhas pernas estivessem ficando dormentes.
Então a garotinha acendeu uma vela pequenina que ela estava carregando, que emitiu uma luz pálida, tremula, quase sem visibilidade. Nós continuamos andando. Ela apontou para algumas tábuas mais adiante sobre um esgoto negro. Do outro lado eu consegui ver um monte de trapos velhos e jornais molhados. Depois de passar as tábuas, tropecei em algo no chão. Vi a forma de uma televisão, talvez roubada. Perto da televisão havia uma mesa. Sobre a mesa havia uma “cama”, ou o que é chamado naquele submundo, um telheiro: uma prancha ou prateleira, da altura de uma pessoa, coberta com sacos e cobertores. Lá, acima da tubulação e fluxos de águas negras e imundas, em meio a um fedor insuportável, minha amiguinha e seus dez companheirinhos tinham formado seu ninho. Eu não conseguia acreditar nos meus olhos.
Naquele local horrível, onde a noite parecia eterna e reinava o medo e desespero, meu corpo congelou, meu coração encolheu-se e minha mente parou de funcionar. Entretanto o meu espírito sentiu-se iluminado, explodindo de alegria, paixão e amor enquanto eu visualizava um sonho de resgatar, uma por uma, todas aquelas crianças da escuridão em minha amada Colômbia. Naquele dia eu soube que estas e outras milhares de outras crianças viviam nos recantos e nas fendas dos esgotos de Bogotá, que jazem sobre um sistema de dejetos do mesmo estilo que os romanos, com amplos túneis e cavernas. A sobrevivência das crianças dependia se conseguiam ou não manter suas cabeças acima dos excrementos humanos, pois quando chove, o esgoto eleva-se e leva tudo à sua passagem.
A garotinha começou a me apresentar sua turma. Sonhando em removê-los deste lugar de total escuridão, eu disse à eles, “Porque não vamos a um restaurante comer alguma coisa? Vamos sair daqui, eu levo vocês”. Quando voltamos à luz do dia, eu vi que uma das crianças, um garotinho tinha lábio leporino e fenda palatina, que desfigurava imensamente seu rostinho. “Venha comigo”, eu disse à ele, “Conheço um medito muito bom que pode fazer uma cirurgia em você”.
Assim que eu falei os outros garotos ficaram furiosos e disseram. “Não, não não, você não pode levar ele não”.
“Porque não?” perguntei. Seguiu-se um diálogo confuso, e em algum ponto ao longo da conversa eu entendi os protestos. O garoto era o meio de subsistência deles. Ele pedia esmolas para que eles pudessem viver.
AMAR SEM LIMITES
Daquele momento em diante eu resolvi que iria pesquisar todas as outras frestas escondidas daquele mundo escuro e subterrâneo e eu removeria todas as crianças que viviam ali, uma por uma.
Comecei contando meu sonho para todas as pessoas a quem eu encontrava. Algumas me ajudavam, outras debochavam e outras me diziam que eu tinha ficado doido. Eu tinha duas opções. Uma era ouvir os matadores de sonhos, que criticavam e duvidavam de mim, tratando-me como se eu fosse um tolo, dizendo que eu tinha que colocar um limite para meus sonhos, garantindo que meu objetivo era impossível de alcançar. Eles diziam que era um problema que tinha que ser resolvido pelo governo, que haviam crianças demais nos esgotos e que seria impossível que eu os resgatasse. Diziam que era muito perigoso, que eu poderia ser atacado ou ficar doente com febre tifóide, hepatite e lepra. Mas a outra opção era ouvir minha voz interna e meu coração. Amar sem limites o que eu me propunha a fazer, agir com paixão, perseverança e coragem, a despeito da oposição da maioria.
Os esgotos apresentavam muitos perigos – a ameaça de doenças infecciosas, temperaturas congelantes, superfícies escorregadias e vapores nocivos. Sabia-se que a tubulação se rompia e torrentes de esgoto poderiam passar, destruindo tudo no caminho – algumas vezes varrendo as crianças e as afogando. As crianças sabiam que quando as chuvas chegavam, elas estavam em perigo. Também sabiam que os ratos não tinham medo de morder e sempre visavam os olhos, nariz, boca ou a partes genitais. Então, quando as crianças dormiam, mantinham velas acesas perto para se safar destes insidiosos intrusos. E se um intruso da espécie humana invadisse seu território, as crianças poderiam pular sobre a pessoa, temendo por suas vidas. Eu não estava entrando em território bem vindo. O que eu poderia fazer?
Um dia, enquanto eu estava mergulhando na ilha da Providencia, tive uma inspiração. Eu tinha ouvido falar de uma caverna de beleza incrível no fundo do mar e senti forte desejo de conhecê-la. Indo atrás de um guia, entrei no interior da caverna e enquanto um paraíso submarino me envolvia, eu visualizei aquelas passagens escuras em Bogotá e disse a mim mesmo “Aí está a solução”. Voltei a Bogotá e entrei nos esgotos com o mesmo equipamento de mergulho, e assim comecei a vaguear pelos túneis negros com meu traje de borracha, tanque, regulador e máscara.
O vestuário oferecia muitas vantagens: eu não enfrentava os odores nauseantes e não tinha que respirar aquela mistura de ar, gás tóxico e de excrementos e a roupa me protegia parcialmente do frio. E não somente isto, o equipamento tinha uma possante lanterna para orientar meu caminho. O tanque que eu usei a princípio era muito pesado e mais tarde troquei por um menor mais fácil de lidar. Tudo isto facilitava meu trabalho de resgate, e eu não tinha mais a necessidade de sair rapidamente devido à falta de oxigênio nem estava ameaçado por intoxicação venenosa.
Durante uma de minhas visitas noturnas subterrâneas, ocorreu um incidente que ainda nos faz rir na Fundação. Na hora em que um viciado em drogas estava fumando craque sob uma ponte, na entrada de uma tubulação de esgoto, eu saí dos esgotos com meu enorme equipamento de mergulho. À volta do meu pescoço, eu carregava uma grande caixa de equipamentos médicos, carimbado com uma enorme Cruz Vermelha, na qual eu guardava desinfetante, agulhas de acupuntura e antibióticos e em volta de mim amarrado no meu corpo estava meu regulador de oxigênio que fazia um barulho enorme – como um usssshhhh rápido e repetitivo, parecendo a respiração do Darth Vader. E não bastando isto, eu estava carregando minha possante lanterna de mergulho, na mão.
Quando o rapaz viu aquele símbolo enorme da Cruz Vermelha iluminado pela minha lanterna, e fios saindo de todas as partes da minha máscara negra ele ficou apavorado e começou a gritar, “Satanás, Satanás, não me leve!” Meu coração quase explodiu! Por um décimo de segundo pensei que o capeta tinha feito uma aparição pessoal. Mas assim que eu vi o rapaz, ele correu de mim como uma bala, desaparecendo pela rua escorregadia e enlameada. Duvido que ele tenha fumado outra vez. Acho que este foi o caso de reabilitação de drogas mais bem sucedido que houve.
EU VI OS ESQUADRÕES DA MORTE MATAREM CRIANÇAS
As crianças nos esgotos e nas ruas sofrem um inferno vivo. Elas atravessam noites intermináveis, procurando por alguém que cuide delas ou que pelo menos ofereça uma palavra bondosa. Elas não sabem o que é brincar. Não sabem o que é sentir alegria. Abandonadas, sem mãe e pai, atiradas à corrupção, ao vício de drogas e à violência, elas vivem em constante desespero. Elas tem que roubar para sobreviver e usar drogas para roubar, numa tentativa desesperançada de combater sua miséria abjeta.
E como se seu estado de vida não fosse um castigo suficiente, pavorosos esquadrões da morte começaram a se formar na Colômbia – organizações secretas compostas de pessoas corruptas, loucas e insensíveis, e também mercenários para exterminar as crianças. Eles montaram um plano de “limpeza social”. Estes esquadrões consideravam que jovens indigentes, mendigos e trombadinhas das ruas não teriam mais capacidade de serem reabilitados, e que era melhor matá-los enquanto eram ainda crianças, antes que se tornassem criminosos piores. Além isto, era mais fácil e barato matá-los que os ajudar, então eles iniciaram uma ‘limpeza’ das crianças abandonadas nas ruas, esquinas, esgotos, tubulações e pontes. Os donos de lojas e outras vítimas das crianças estimulavam os esquadrões da morte pagando-os para matar certos tipos de crianças a quem eles odiavam.
Eu assisti a policiais corruptos pegar uma jovem de rua, cobri-la com gasolina e atear fogo nela no meio da rua, deixando-a a morrer. Ela tinha roubado de uma loja e a polícia a estava tornando um exemplo para os outros, de sua nova política de extermínio. Mais cruel ainda foi a reação das pessoas à volta. Eles simplesmente a ignoraram, andando sobre ela e à sua volta. Horrorizado eu a levei para um hospital próximo para ser tratada.
É impensável o que os esquadrões da morte fizeram às crianças, até a menininhas a quem eles estupravam e torturavam. Muitas vezes eu vi os esquadrões matando as crianças. A coisa mais terrível que eu testemunhei foi em 1985, quando vi um esquadrão jogando gasolina em um encanamento de rua, sobre um número grande de crianças que estavam logo embaixo do ralo. O esquadrão os incendiou e deixou-os lá para morrer. Eu corri para o subsolo onde eles estavam e o que vi era grotesco. As crianças ainda estavam vivas. Estavam gritando e chorando enquanto suas peles caiam queimadas. Seus braços e pernas estavam esturricados e sua pele caiam das faces. Eu os coloquei no carro e os levei para o hospital. A dor que eles sofreram não cabe em nenhum tipo de palavra.
Eu posso ter ajudado aquelas crianças, mas os esquadrões continuavam a abrir as tampas dos esgotos e jogar gasolina abaixo, matando muitas crianças, vezes e vezes.
Um dia, eu tinha por volta de 30 anos, estava andando pelas colinas da Colômbia e me sentia muito desapontado com Deus e perguntei-lhe “Porque eles estão matando tantas crianças de rua? Eles as incendeiam. Eles as torturam. As crianças são seres humanos, já vivendo o pior estado de degradação, lidando com opressão e suicídio, e você não faz nada!” Naquela época, a polícia estava contra mim. Minha esposa estava preocupada com meu bem estar – especialmente agora que estávamos criando duas crianças – e ela se preocupava com a evasão de nossos recursos pois eu os direcionava todos para a Fundação. As pessoas me condenavam e me criticavam. Estavam aumentando a inveja e falsos rumores, tentando destruir o trabalho que era de Deus e não meu. Eu também estava sob grande estresse, pois os esquadrões da morte estavam me ameaçando. Já duas vezes eu tinha sido sequestrado por gangues que roubam ricos para pedir resgates, e só me libertaram porque descobriram quem eu era e o trabalho que fazia.
No meio do meu desespero, confusão e tristeza, sentindo-me tão só, ferido, abandonado, gritei para o Todo Poderoso: “Meu Deus, porque você me abandonou? Porque me deixou só? Porque você os deixa me tratarem assim?” Passou-se uma tarde inteira depois que eu perguntei a Deus onde ele estava. “Apareça!” eu disse à ele. “Mostre-se a mim! Defenda-me!”.
Naquela noite, entrei em um restaurante e pedi para usar o telefone. Quando coloquei-o no gancho, olhei para cima e vi uma pintura com pegadas impressas na areia de uma praia.
Sob ela estava o bem conhecido poema “Pegadas na Areia” que eu nunca tinha visto. Fala de uma pessoa que sonha que está andando pela praia, acompanhada por Deus. Durante a caminhada, muitas cenas de sua vida passam pelo céu, enquanto ao mesmo tempo, um ou dois pares de pegadas se formam na areia. Ele fica preocupado, notando que nas cenas tristes de sua vida, quando tinha que suportar os maiores sofrimentos, havia somente um par de pegadas. O homem pergunta a Deus porque ele não estava andando a seu lado durante as situações difíceis, embora Deus tenha prometido que sempre estaria lá. E o Senhor diz que as vezes em que o homem viu somente um par de pegadas foram as vezes em que Deus o carregava em seus braços.
Quando eu olhei o poema eu não conseguia entender o que estava lendo. Depois, quando verdadeiramente digeri a mensagem do poema, minha vida e minha atitude mudaram. Eu sai completamente feliz, sentindo aquela maravilhosa calma interior que só podemos encontrar quando estamos em paz com Deus e conosco mesmos. Isto me ajudou a ir em frente.
Por volta de 1990, meu trabalho com as crianças dos esgotos foi apresentando em um programa de TV, 20/20. Senti que era importante que as pessoas soubessem em que condições as crianças viviam. A equipe da ABC me acompanhou nos esgotos e viu algumas das crianças prostradas, parecendo estar dormindo. Ao passarmos ao lado eles perguntaram “Porque eles não se levantam?”
Eu disse “Porque estas estão mortas”.
A equipe não me acreditou. Quando viram que era verdade choraram, e choraram tanto que não conseguiram terminar a filmagem naquele dia. Eu nunca vi ninguém chorar como eles choravam, em toda minha vida. Devido à cobertura feita pelo 20/20, os esquadrões da morte foram interrompidos e muitos dos policiais corruptos parte dos esquadrões foram demitidos.
DEUS ME PREPAROU BEM PARA AS MUITAS PERDAS QUE EU TERIA NA VIDA
Os esquadrões da morte mataram muitas crianças que eu tinha vindo a conhecer e amar e eu tive que passar muitas vezes pelo fogo da perda. Nenhuma morte, entretanto foi tão dura para mim como foi o primeiro encontro com ela, quando eu era criança e minha amada avó Maria faleceu.
Como um dos netos favoritos de minha avó, eu frequentemente estava com ela. Quando ela adoeceu, perguntava constantemente por mim. Meus pais temiam que a morte dela fosse uma experiência extremamente difícil para mim. Eles achavam que eu não conseguiria superar, pois era muito afeiçoado à ela. Finalmente chegou o dia em que ela deixou este mundo. Quando eu ouvi a triste notícia, chorei como nunca antes ou depois.
À medida que o tempo passava, entendi que embora minha avó não estivesse mais neste mundo, ela estaria sempre em meu coração e seria uma luz na minha vida em épocas de problemas. Deus me preparou bem para as muitas perdas que eu encontraria na vida.
ENTENDI QUE TERIA QUE DEIXAR UMA DELAS
Uma perda terrível para aceitar ocorreu nos subterrâneos uma noite, em 1991, nas passagens escuras e infernais dos esgotos. Cedo naquele dia eu tinha conhecido um homem chamado Wayne Weible, que escreve e fala sobre algo que eu nunca tinha ouvido falar antes – que Nossa Senhora estava aparecendo em Medjugorje. Ele me perguntou se eu podia levá-lo aos esgotos para ver as crianças.
Eu disse à ele que os esgotos eram perigosos, que as crianças, muitas delas usavam drogas, poderiam pensar que ele era uma ameaça. Ele persistiu, dizendo-me que ele achava que Nossa Senhora queria que ele me acompanhasse.
Eu o avisei que poderia se tornar muito doente, e disse como membros do show 20/20 tiveram que ser hospitalizados depois de terem ido aos esgotos. Disse como as crianças precisavam manter as velas a seu lado enquanto dormiam para que os ratos não os mordessem. Ele parecia decidido, então fui até os esgotos preparar as crianças para a chegada de Wayne para que tudo fosse seguro para ele.
Naquela tarde, quando entrei nos esgotos, achei um casal de irmãos de cinco e sete anos. Disse à eles que os levaria à Fundação, e quando estava levando-os para fora, um dos tubos maiores, lotado de detritos e lixo, subitamente arrebentou. Agarrei as crianças, segurando uma em cada braço, enquanto torrentes de água de esgoto passavam entre minhas pernas e à nossa volta, com tal força que eu quase não conseguia me sustentar. A água parecia querer destruir tudo à sua passagem, e as crianças estavam chorando e gritando “Segure-me, segure-me! Não me solte!” Eu os segurei com todas as forças que eu tinha. Foi terrível. A água não acalmava e após algum tempo meus braços cansaram-se.
Finalmente eu entendi que teria que soltar uma das crianças. Eu não queria escolher. Eu tinha sido forçado a viver o pesadelo de ter que “matar” uma criança. Eu disse a mim mesmo “Aquele que não for forte o suficiente para me agarrar, e quem eu não conseguir mais segurar, vai ficar”. Uma hérnia havia crescido em meu abdômen e a junta de meu quadril estava-se rasgando.
Minha força estava acabando. Em agonia, deixei o garoto ir e ele foi levado e afogou-se na água do esgoto.
Minha mente normalmente bloqueia este evento. Acho-o doloroso demais para lembrar. Depois que aconteceu, precisei de ficar 30 minutos do lado de fora para me recuperar, e voltei aos esgotos para procurar mais crianças que poderiam estar feridas. Depois peguei a garotinha, levei para a fundação e a acomodei lá.
“É O PAPÁ JAIME!”
Eu tinha ficado de pegar Wayne às 11 horas da noite e era agora 5 horas de uma manhã fria e chuvosa. Eu tinha ficado nos esgotos a noite toda. Telefonei para Wayne e perguntei se ele ainda queria ir. Ele disse que sim.
Eu o peguei no hotel e saímos, voando pelas ruas de Bogotá. Depois de alguns minutos Wayne disse, “Jaime, você está furando todos os sinais vermelhos”.
Eu disse à ele “Aqui nós não paramos nas ruas. Não é seguro, nem parar no sinal. Você tem que ir sem parar”. Então paramos em um café aberto, que oferecia um sortimento de sanduíches, pão e bebidas. Eu dei ao empregado duas sacolas grandes e pedi que ele enchesse de comida. Parado na entrada da porta, olhando com fome estava um homem de mais idade, magro como um palito, em trapos, congelado e totalmente molhado. Eu o chamei para entrar e disse ao empregado que desse o que ele pedisse. O homem correu para o balcão, ignorando o olhar de desprezo do empregado e dos fregueses do café.
Então um garotinho cadavérico, que vivia na rua, vendo o que aconteceu, chegou até a mim e perguntou se ele também poderia comer algo. Eu arrumei seu cabelo longo e molhado e disse ao empregado “Dê à ele o que ele pedir”. Relutantemente o empregado deu-lhes o que comer; eles ficaram tão agradecidos que nos ajudaram a carregar tudo no carro. Milhares de pessoas como eles na Colômbia não recebem nenhum tipo de ajuda e precisam esmolar para viver.
Quando eu saia com o carro pude vê-los pelo retrovisor gritando “Obrigado, obrigado!”
O dia estava nascendo e ainda estava chovendo quando chegamos na entrada dos esgotos. Com Wayne me seguindo, caminhamos pela água pútrida que saía de um enorme tubo. Liguei minha lanterna e comecei a gritar, “É Papá Jaime! Papá Jaime! Venham até aqui, é Papá Jaime!” Crianças de todas as idades e tamanhos começaram a sair das pequenas fendas e rachaduras, nenhuma delas sorrindo, só olhando hesitantes em volta, até que conseguiram me ver. Então surgiu um pequeno sorriso em suas faces.
O alimento que eu trouxera foi um banquete para elas. Elas não correram para as sacolas, não as rasgaram. Pacientemente elas esperaram até que eu passasse o alimento, o que levou algum tempo. Wayne parecia arrasado com o que via. Eu decidi escoltar oito crianças para fora do túnel. Eu senti que eles precisavam ir para a Fundação imediatamente. Vários outros me seguiram perguntando se poderiam levar mais comida para outras crianças escondidas dentro da miríade de tubos; eu dei à eles, sabendo que eles levariam para os que estavam doentes ou escondendo-se. Eles tem um código de honra entre si, não importa o que tenham feito.
Nós dez então entupimos meu carrinho e saímos na direção da Fundação, mas primeiro eu tinha que parar noutro lugar e dar uma olhada em uma garota e seu bebê. Passei sob um viaduto para um campo enlameado, parei perto de outra tubulação, onde sete ou oito crianças nos abordaram. Eu tinha uma sacola de alimentos ainda. Subitamente chegou um carro da polícia. Wayne achava que seria porque havia muita gente no carro. Eles pararam perto de nós e vários policiais saltaram e começaram a andar na minha direção. Eles sabiam quem eu era e o que estava fazendo. Eles me disseram que iriam levar as crianças e Wayne para a delegacia. Queriam investigar porque havia um estrangeiro conosco.
Tentei fazer eles desistirem de levar todos para a delegacia mas vários policiais começaram a levar as crianças para o carro. Seguindo de perto eu novamente tentei barganhar com eles. Disse à eles que as crianças não causariam mais problemas. Disse que Wayne era de grande ajuda à Fundação, mesmo isto sendo nada para eles. Vinte minutos de tensão se passaram enquanto eu negociava algum acordo com eles. Milagrosamente eles nos deixaram ir e alguns dos policiais ainda nos ajudaram a tirar meu carro da lama até a estrada para partirmos. Wayne, que não tinha noção do que nossas palavras em espanhol queriam dizer exclamou: “Nossa Senhora nos protegeu!”.
EU QUERIA IR A MEDJUGORJE EXPRESSAR MINHA GRATIDÃO
Eu não contei a Wayne o que tinha realmente transparecido com o episódio da polícia naquela manhã até terem se passado dois anos. Ele agradeceu a demora. Wayne mais tarde me disse que não somente Nossa Senhora o tinha inspirado a entrar nos esgotos mas também a começar um projeto especial chamado Crianças dos Esgotos – um esforço para conscientizar e levantar fundos para a Fundação Crianças dos Andes.
Daquele momento em diante, a Virgem de Medjugorje tornou-se a padroeira da Fundação. Estou certo de que ela está mantendo seus olhos sobre todos os meninos e meninas ao longo de sua vida e confio plenamente nela para nos ajudar a mantermo-nos à tona. Deus, que é meu ajudante, tem múltiplas maneiras de vir em nosso socorro e uma das mais belas maneiras é através de Nossa Senhora, que para mim, representa amor, compaixão e misericórdia.
Em 2005, como acontece muitas vezes, estávamos com enormes problemas financeiros. Estávamos sacando mais que poderíamos, sem conseguir pagar as contas de médicos, alimentos e manter a folha de pagamento de nosso pessoal. Para prosseguir, precisávamos de US$ 58 mil, imediatamente. O banco disse, “Sinto muito, não há dinheiro. E não podemos mais oferecer nenhum tipo de saque a descoberto.”
E eu disse, “OK, vamos ver o que acontece”.
Então, uma hora mais tarde, Wayne Weible me telefona dos Estados Unidos e diz, “Jaime, tenho algum dinheiro para você”.
Apenas alguns minutos antes, a secretária de Wayne Weible tinha dito à ele, “Sente-se” e mostrou à ele uma emotiva carta dando suporte à nosso trabalho com as Crianças dos Esgotos, juntamente com um cheque de US$ 51 mil. Então, entre o tempo que Wayne me ligou e o momento que ele foi fazer o depósito, ele tinha recebido mais US$ 7 mil. Então eu recebi US$ 58 mil, o valor exato que eu precisava.
Além de me alertar quanto a doações dos Estados Unidos, Wayne, durante os dez anos seguintes ao dia em que nos encontramos, persistia em tentar que eu fosse em peregrinação com ele a Medjugorje; por um motivo ou por outro, com minha agenda sempre lotada , eu nunca conseguia ir.
Em novembro de 2005, minha programação finalmente abriu uma vaga, dando-me a chance de viajar até este local especial. Eu queria ir à Medjugorje expressar minha gratidão à Nossa Senhora, porque para mim ela é como uma mãe maravilhosa sempre a meu lado, sempre ajudando a Fundação, todas as vezes que tínhamos problemas.
Eu tive que literalmente fugir do trabalho para ir. Durante os dez dias em que estive fora, eu mantive o contato pela Internet, mas ninguém sabia onde eu estava. Tudo foi de último minuto – visto, passagem aérea, etc – então eu terminei saindo da Colômbia com atraso de um dia, e quase não consegui. Quando passei por Washington e fui à embaixada para obter o visto para a Bósnia, o funcionário disse que eu teria que voltar no dia seguinte às quatro da tarde para pegar.
Eu pensei comigo, “Bem, eu tenho tanto que fazer em casa, não vou conseguir ir. Vou voltar para a Colômbia”. Entretanto, perseverando, disse ao funcionário atrás do balcão “Não, vou esperar pelo visto aqui”, e me sentei. Ele me deu o visto em uma hora.
Depois que eu cheguei a Medjugorje, mantive meu hábito de meditar ao ar livre, na natureza – que eu pratico há trinta e sete anos. Para mim são momentos mágicos e sagrados, onde eu entro em contato com Deus, agradecido e apreciando todas as coisas maravilhosas que ele faz por mim.
Todos os dias em Medjugorje eu acordava às quatro da manhã para subir a Montanha da Cruz. Um dia aconteceu uma coisa estranha. Quando cheguei no topo da montanha, estava convencido, cheio de fé que Nossa Senhora iria aparecer para mim assim como ela aparece para os videntes. Então eu senti a forte presença de uma energia bela e divina, uma energia curadora e senti que Nossa Senhora estava lá. Ela parecia estar tão perto que eu disse “Eu, porque a senhora não aparece para mim como para os videntes? Por favor, deixe-me ver a senhora.” Eu estava completamente disponível para o que pudesse acontecer. “ Vamos lá! Vamos lá!” apressei. “Outras pessoas a veem. Porque não eu?” Mas ela não apareceu.
Uma outra manhã, novamente escalei a Montanha da Cruz no ar frio da manhã. Perto da cruz branca de pedra que fica no topo, sentei-me para meditar e cai num estado de sonho. Naquele momento de paz, harmonia interior e amor eu vi uma imagem ou talvez uma visão na qual a Virgem de Medjugorje veio em minha direção e me disse que muitas pessoas rezam só por rezar, mas não tem consciência do que estão pensando ou dizendo ou como agem, e após terminar as orações esquecem a motivação amorosa de dar aos outros o que existe de melhor em seus corações, sem esperar nada em retorno.
Após receber esta linda mensagem, sentei-me para refletir sobre as palavras de Nossa Senhora – com as quais eu concordava de todo o coração. Como resultado disto, naquele sublime momento, ela me inspirou a propor a quem eu fosse encontrar ao longo da vida que quando rezassem o Pai Nosso, deveriam fazer isto conscientemente, sentindo a beleza e sabedoria que existem em suas palavras e aplicando-as todos os dias, ao invés de simplesmente repeti-las automaticamente.
Pois em nossa humanidade dizemos “Pai Nosso, que estás no céu” e muitas vezes não o apreciamos ou não nos comportamos como seus filhos.
Dizemos, “Santificado seja o vosso nome”, e quando qualquer problema ou golpe nos atinge, amaldiçoamos em seu nome e o culpamos por isto.
Dizemos, “Venha a nós o vosso reino. Seja feita a vossa vontade, aqui na terra como é no céu”, quando o que amamos não é o reino espiritual, mas o reino do poder, ego, competição e avareza – o desejo insaciável de ter e acumular.
Dizemos “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, mas quando temos oportunidade de dar ou compartilhar com aqueles que estão com fome, optamos por não alimentá-los.
Dizemos “E perdoai nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” mas agimos como fariseus porque dizemos que perdoamos os outros, mas não sabemos que perdoar é lembrar sem dor, sem ressentimento.
Dizemos, “Não nos deixei cair em tentação” mas como Deus nos deu livre arbítrio, buscamos maneiras de cair em tentação para satisfazer nossos desejos, que vem de nossos egos.
Dizemos, “Mas livrai-nos do mal”, mas julgamos, criticamos e fazemos mal aos outros; ou então fingimo-nos de cegos quando vemos injustiças, e não fazemos nada – e como papagaios, dizemos “Amém”, sem entender o que acabamos de prometer.
Acordei desta visão, deste sonho, assustado de ver um homem alto, de pé, na minha frente, elevando suas preces em voz muito alta, com suas mãos sobre a minha cabeça. Atônito pensei “Eu morri? O que está acontecendo comigo?” O homem deu um passo atrás e começou a descer a montanha. Puxei minha máquina fotográfica, esperando pegar a imagem de Nossa Senhora, tirando fotos da área onde eu achei que a tinha visto, depois levantei-me e segui o homem, tentando tirar uma foto dele, porque eu não sabia se era um homem ou um anjo. Às cinco horas da manhã, no meio do inverno, naquele frio penetrante, no topo de uma montanha, eu nunca imaginei que iria encontrar alguém.
AMOR É DOAÇÃO
Sou católico, mas estou totalmente convencido de que oração, meditação ou contemplação sem ação, sem serviço aos outros é incompleta. Eu me lembro de madre Teresa de Calcutá me dizendo, depois que partilhamos um Prêmio Internacional da Paz e nos tornarmos bons amigos, “Papá Jaime, o poder é para ser colocado a serviço, o amor é para ser doado, e a oração sem ação e sem serviço aos outros nada vale”. Ela também disse que não significa nada rezar lindamente, recitar um milhão de rosários e sair de casa, passar por alguém que está com fome ou ignorar alguém que está com sede ou ver alguém que tem um problema e não ajudar.
Deus nos dá sinais, chamando-nos a ajudar outros o tempo todo, mas pode ser que nem notemos. Uma manhã, no nascer do sol, depois de meu tempo normal de meditação, eu estava descendo a Montanha Guadalupe em Bogotá, voltando para a cidade para começar minhas tarefas, um par de ladrões me surpreendeu. O mais velho gritava histericamente enquanto segurava uma faca que tremia no ritmo das batidas do coração dele: “Isto é um assalto”.
Eu olhei firme para ele e disse, “Eu sei que isto é um assalto, mas deixe essa faca de lado antes que você fure um de seus próprios olhos”. Então, calmamente eu disse: “Como você vê não tenho nada de valor comigo, mas se você precisa de alguma coisa, fico feliz de poder ajudar você”.
Imediatamente a ansiedade desapareceu do rosto dele. Quando ele me reconheceu, profundamente comovido e soluçando, ele disse “Olha Papá Jaime, eu não sou um assaltante e nem um ladrão, e esse garoto aqui é meu filho, a quem eu ensinei a ser honesto, a respeitar e a servir aos outros, e a ter bons modos. Mas o que está acontecendo é que a minha filha está gravemente doente. Ela está no hospital e eles não querem tratá-la a não ser que paguemos pelos remédios. Eu trabalhava para a Telecom e eles me mandaram embora, e eu não tenho plano de saúde para pagar as despesas médicas. É por isto que nós viemos aqui para roubar. Se eu não fizer isto, não vou conseguir salvar minha filha”.
Eu fui até o hospital com eles e disse aos médicos o que estava acontecendo. Eles operaram a garotinha e deram à ela atendimento gratuito. Como é frequente estarmos errados quando julgamos com base em aparências, falsas crenças, incapazes de ver o que está por trás das atitudes de uma pessoa. Não estamos aqui para julgar a humanidade, mas para amá-la.
Quando as pessoas me perguntam por todos os problemas que temos na Colômbia, drogas, matanças, roubos, e querem saber como me sinto, digo que estas coisas não me afetam ou tem a ver comigo. As pessoas que cometem esses crimes são somente dois por cento da população. Ao invés destes problemáticos, que estão fazendo mal aos outros, eu me preocupo com os 98 por cento, os bons e os indiferentes que estão assistindo em silêncio e não estão fazendo nada.
Muitas pessoas tem muito dinheiro e muito para dar e não fazem nada pelos outros. É difícil, para mim entender isso, especialmente quando vejo crianças nas ruas e nos esgotos. E não estou falando de milionários. Estou falando de pessoas em geral. Qualquer pessoa pode dar atenção, amor e compaixão.
“EU CHORO PELAS OPORTUNIDADES QUE PERDI NÃO AJUDANDO OS OUTROS”.
Participo de um programa de televisão diário chamado Muito Bom Dia, e durante uma transmissão ao vivo, o apresentador, chamado Jota Mario me disse que alguém havia telefonado para o programa que havia uma garotinha que vivia com a tia de noventa e três anos em uma favela, em condições sub humanas, e que precisava de uma cadeira de rodas. Enquanto estava no ar, falei sobre o caso e sobre a importância de se servir com amor incondicional e de doar sem esperar receber nada em troca. Eu me lembro que disse, enfaticamente, que as coisas que não usamos durante um ano não mais nos pertencem e devem ser, portanto, doadas a quem precisa delas. Expliquei claramente que quartos de armazenagem de cobertores velhos, quadros quebrados, bicicletas sem uso, roupas, etc nem deveriam existir.
No final de minha parte no show, quase cem pessoas me ligaram. Noventa e nove delas me disseram que precisavam também de uma cadeira de rodas e somente uma mulher me ofereceu uma que poderia ser recolhida na casa dela. Eu disse à ela que seria uma boa ideia que ela viesse para o estúdio de televisão com a cadeira de rodas para podermos doá-la, juntos à garotinha que vivia em um bairro muito pobre chamado Simon Bolívar. A mulher respondeu dizendo que ela confiava em mim e que não haveria problema em alguém pegar a cadeira. Eu respondi que não era uma questão de confiança, mas de sentir alegria, satisfação e prazer de entregar algo pessoalmente. Depois de muito incentivo, ela concordou em vir comigo até a casa da garotinha na Colina do Enforcado, em Ciudad Bolivar, onde as pessoas frequentemente se enforcam por desespero.
O esgoto na Colina do Enforcado desce ao longo da superfície do solo e cai em um canal escavado no declive. Quando ela chegou lá e sentiu o ambiente frio e pútrido, a mulher queria voltar. Mas finalmente ela chegou a um cômodo escuro e denso onde esta criatura de doze anos vivia. Fomos informados que os pequenos seios da criança estavam totalmente arruinados por feridas e calos, porque na maior parte de sua vida ela tinha que arrastar-se como uma serpente para fazer o que precisava. Quando eu a segurei, fui tomado pelo cheiro de podridão, pior que nos esgotos.
Nós a sentamos na cadeira de rodas e a levamos para um passeio. Quando a garota saiu no sol e viu as montanhas, começou a rir de um modo alto e estranho. Por um momento eu pensei que ela poderia ser retardada, mas ela estava reagindo desta forma porque jamais havia saído de seu cômodo. Ela nunca tinha visto nem um ônibus. Continuamos a passear até que chegamos na esquina onde paramos para experimentar algum alimento que estava sendo grelhado e vendido na rua.
Enquanto estávamos comendo, a mulher chorava incessantemente. Eu perguntei por que ela estava chorando tanto e ela respondeu “Papá Jaime, você não tem ideia”. Eu disse à ela que deveria estar feliz porque praticou um ato tão bom para uma criatura tão desafortunada. Ela me olhou e com uma voz lacrimosa disse “Estou chorando porque esta cadeira de rodas está na garagem da minha casa há mais de oito anos. Eu choro pensando nesta pobre criança, arrastando-se como um réptil enquanto esta cadeira estava este tempo todo enferrujando por falta de uso em casa. Ela nunca saiu de casa antes de hoje. Eu choro pelas oportunidades que perdi e não ajudei outras pessoas”.
Em uma urgência interminável de acumular e possuir coisas, podemos criar em nossas casas e locais de estocagem um local úmido e desagradável para depositar tudo o que não precisamos, egoisticamente pensando no dia em que seria útil. E então, assim perdemos a oportunidade de ajudar um ser humano que poderia estar precisando desesperadamente destas coisas que acumulamos – coisas que aos poucos se tornam inúteis e deterioradas.
É MAIS ABENÇOADO DAR
Quando eu estava em Medjugorje ajoelhado e rezando o terço na Igreja de São Tiago, uma garotinha de cerca de um ano e meio veio até a mim e agarrou meu terço. Sua mãe gritou, “Ei, não!” Mas eu deixei a garotinha ficar com o terço e a mãe me deu o dela, um terço de plástico.
Logo depois eu fiz uma palestra para peregrinos e uma senhora que estava presente me deu um terço grande, lindo, prateado e dourado, feito à mão por ela mesma, que custou um valor bem alto. Eu considero isto um sinal de Deus. Eu poderia ter dito à garotinha, “Eu, dê-me isto de volta!” Mas quando eu dou alguma coisa sem esperar nada em retorno, eu recebo muito mais espiritualmente.”
Sinais de Deus acontecem o tempo todo em volta de nós, pedindo-nos que prestemos atenção, pedindo-nos para mudar e para agir. Quando a garotinha de rua morreu por uma caixa vazia de brinquedo Fisher Price, eu entendi que Deus estava me mostrando a missão de minha vida. Aquele momento acelerou o início da Fundação para as Crianças dos Andes. Então Deus me deu outro sinal importante, a garotinha epilética, em convulsão na rua – um sinal que me levou a descobrir as crianças que vivem nos subterrâneos em meio a dejetos humanos.
Hoje eu entro nos esgotos sempre que posso. Sou a única pessoa que entra abaixo do solo para ajudar as crianças. É uma aventura perigosa, então eu não deixo outras pessoas fazerem este trabalho. Se alguém cair e beber o esgoto ou um rato morder e infeccioná-lo, ou se os gases o fizerem doente, ou se o nível da água subir inesperadamente, tal pessoa pode morrer. Não somente isto, as crianças que usam drogas para escapar mentalmente de sua situação podem pensar que o intruso é membro de um esquadrão da morte e pular sobre a pessoa.
Quando eu ando pelas ruas fazendo resgates, passo por muita pobreza e desesperança. Quando desço ao subsolo, entro em um local surreal de escuridão doente e noites intermináveis, onde as crianças ainda esperam para ser resgatadas. Lá eu não vejo amor, luz, afeto – só desespero enquanto eles buscam em vão por consolação, esperança, um abraço, uma palavra de bondade. E ainda assim, lá eu encontro alegria, encontro o meu chamado. Nunca chamo a atenção para as condições infernais nas quais as crianças vivem e nem os trato com piedade. Ajo como se seus ambientes fossem completamente normais. Meu foco é, como posso ajudá-los. O que me move é o amor, e amor é o que pode curá-los.
Uma vez quando eu estava resgatando crianças de um esgoto em Bogotá, subi até à superfície com minhas roupas molhadas e fedidas e algumas pessoas vieram até a mim para me dizer que não fariam aquilo nem por um milhão de pesos e que me consideravam um santo. Eu repliquei que não era um santo e também não faria por um milhão de dólares mas que eu gostava de fazer isto porque não agia por medo mas por amor. Meu trabalho na Fundação é e sempre será somente voluntário. Não recebo nenhum dinheiro por isto. Em 1990 fui nomeado para o Prêmio Nobel mas preferi ficar ocupado ajudando as crianças ao invés de preencher toda aquela papelada, então decidi não dar entrada em meu nome.
Quando se ama o que se faz e faz o que ama, você não está trabalhando, mas usufruindo das riquezas da vida. Resgatar crianças não é um sacrifício para mim. E nem implica em nenhum sofrimento para mim estar dentro de um esgoto, cercado por morte e solidão, pois a vista de um garoto ou garota com estomago cheio e coração feliz com os olhos cheios de esperança e fé é um presente que me dá a maior de todas as alegrias. Meu espírito, que se alimenta de prestar serviços pode alegrar-se e vibrar com paz e felicidade.
Queridos filhos! Hoje venho a vocês com meu desejo materno que vocês me deem seus corações. Meus filhos, façam isto com total confiança e sem temor. Em seus corações eu colocarei meu Filho e Sua misericórdia. Então meus filhos vocês irão olhar o mundo à sua volta com olhos diferentes. Vocês verão seu próximo. Sentirão sua dor e sofrimento. Vocês não irão virar o rosto perante os que sofrem porque meu Filho vira o rosto aos que assim o fazem. Filhos não hesitem.
Mensagem de Maria de 2 de maio de 2007 – www.medjugorje.ws
PARA REFLEXÃO ORACIONAL
Enquanto outros procuram desculpas sobre porque ajudar os menos afortunados é tão difícil, desnecessário ou sem méritos, Jaime Jaramillo, mesmo quando criança, corria a consertar os problemas de pobreza e negligência. Pouco sabia êle que estava correndo para servir ao próprio Deus.
Mateus 25;31-40
- Você tinha alguma característica especial quando criança que se manifesta em sua vida hoje? Há algum aspecto de sua personalidade na infância que você perdeu e gostaria de recuperar? Caso seja positivo, peça à Nossa Senhora que interceda por você para que essa característica possa florescer em sua vida.
- Jaime sentiu que a garotinha que morreu atrás de uma caixa de brinquedos vazia foi um sinal de Deus que ele deveria agir. Aconteceu algo em sua vida que você tenha sentido, em oração, que era um sinal para que você agisse ou mudasse de alguma forma? Mantenha em mente que a vontade de Deus para nós sempre nos conduz a grande alegria, ofereça a Deus, em oração,sua disponibilidade para receber tais sinais e agir conforme forem.
- O que mais chama a atenção na história de Jaime? O que mais tocou seu coração?
- Em sua mensagem Maria nos diz, “Vocês não irão virar o rosto perante os que sofrem porque meu Filho vira o rosto aos que assim o fazem. Filhos não hesitem.” Existe alguma boa obra, algum ato de compaixão em sua mente e em seu coração que você ainda não conseguiu colocar em prática? O que impede você e como você pude usar a história de Jaime para ajudar a dar seu primeiro passo?
- Os sofrimentos deste mundo podem se tornar insuperáveis e Papá Jaime encontrou alguns dos piores. Mesmo quando estamos fazendo algum trabalho do bem, tudo parece desabar à nossa volta pois o inimigo tenta impedir nossos esforços, colocando obstáculos em nosso caminho. Isso já aconteceu com você? O que ajuda nestes casos a elevar seu espírito e manter o passo?
- Quando não vemos os pobres não sabemos que eles existem. Como dizia Madre Teresa, devemos ir atrás deles. Ajudar os pobres não é opcional para cristãos. É uma exigência. Pois, quando negligenciamos os pobres, o Evangelho diz que negligenciamos ao próprio Deus. No artigo 2446, o Catecismo da Igreja Católica cita estas palavras de São João Crisóstomo: “Não deixar os pobres participarem dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Nós não detemos nossos bens mas os deles” . “É preciso satisfazer acima de tudo as exigências da justiça, para que não ofereçamos como dom da caridade aquilo que já é devido por justiça”. Jaime expressou opinião similar quando disse que armários com coisas velhas e sem uso nem deveriam existir. O que São João Crisóstomo quer dizer quando diz que deveríamos partilhar nossas posses como ato necessário de justiça ao invés de caridade? Como é que essa perspectiva pode mudar seu estilo de vida?
EXERCÍCIO DE FÉ
“Deus abençoa aqueles que ajudam os pobres e reprova aqueles que se desviam deles: “dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado; de graça recebeste, de graça daí” (Mt 5,42; 10,8). Jesus Cristo reconhecerá seus eleitos pelo que tiverem feito pelos pobres”. Catecismo da Igreja Católica 2443.
Tire um momento para relaxar em oração. Com abertura de coração, perante Jesus, veja-o com os olhos de sua mente, à sua frente, como o pobre que ele era, e pergunte diretamente à ele: “Senhor, como você me chama a ajudar os pobres, doentes, prisioneiros, com frio e esfomeados?” Aguarde em silêncio. Se ele falar a seu coração, faça o que ele lhe disser.
Traduzido do inglês por Ehusson Chequer – tradutora do Portal Medjugorje Brasil – http://www.medjugorjebrasil.com.br
Livro Cheia de Graça – Histórias de conversão em Medjugorje – Christine Watkins